#linchamentovirtualonfire

#linchamentovirtualonfire: é preciso parar com isso


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Essa semana, confesso, fiquei incomodado. Isso significa que, depois de passar dois longos anos inativo, me veio a vontade de escrever algumas linhas sobre algo. A pandemia afetou minha imunidade intelectual, mas aqui estou. Felizmente. Uma volúpia que se fez diante da voracidade do que vivemos. Na verdade, mais de uma vez. 

O racismo do Vinicius Junior não será o tema, embora essa questão mereça ser amplamente debatida a todo instante, para que não se esqueça. Falaremos sobre isso posteriormente. Nem a sofrível política brasileira que segue correndo atrás do próprio rabo. A discussão é o linchamento virtual que segue firme massacrando suas vítimas. 

O gatilho que se impôs, quixotescamente, foram dois episódios em que youtubers (do Botafogo, diga-se) se tornaram alvos. Em um deles, uma conversa pessoal vazou e revelou a preocupação com o clube, do Bernardo Gentile, o qual chorou na live do Fogãonet, ao vivo, diante de centenas de comentários odientos. Sem me alongar nos exemplos é importante ir direto ao ponto. Por que tantos de nós tem sido vítimas dessa modalidade virtual de violência?

Episódios tão atuais sempre se tornam difíceis de se chegar a uma conclusão definitiva. Mas é possível elaborar algumas reflexões sobre essa ignomínia que tem assolado a vida de seres humanos por trás das redes sociais. Sim, existem pessoas reais fora do retângulo eletrônico. Pois, vamos divagar… Devagar…

Previamente, lembro-me do Norberto Bobbio, o filósofo italiano, que escreveu sobre a crise na democracia. Assunto que outros, como o Noam Chomsky, desmembraram e que me arrisco trazer a baila para tentar refletir sobre essa “justiça com as próprias mãos” que temos visto frequentemente. Mas qual seria a relação entre a crise da democracia e o linchamento virtual? Explico.

Assim como cancelamentos, mensagens em grupos de whatsapp (me arrepiei), invasões na capital federal, campanhas pelo porte de armas, entre tantas outras coisas, essa crise diz respeito, como nos afirmam os pensadores, a uma descrença no funcionamento das instituições que normalizaram “passar a boiada” sobre os interesses coletivos fazendo prevalecer as vontades econômicas do mimado Capital. Os governos que deveriam servir ao povo, passaram deliberadamente a atender aos interesses dessa mão não tão invisível assim.

Continuo, arriscando que esse linchamento atende ao horizonte de expectativas do senso comum (me arrepiei de novo), que tenta resolver as questões por conta própria. Evidentemente, a superexposição de milhões de vidas em sua intimidade potencializa essa vontade de tomar conta da vida do outro, como se esse desvelo fizesse parte de nossa vida e não só daquele que posta, com descuido, os meandros de suas existências.

Mas, reafirmo, é inegável a falta de credibilidade nas instituições que compreensivamente têm sido colocadas em xeque provocando essa catarse coletiva que leva as pessoas a julgarem e condenarem, por livre iniciativa, todos que não estão consonantes com seus próprios valores. Assim, a frustração daqueles que se encontram em frente à tela leva a essa reação pantagruélica, para usar um termo que vem de Pantagruel, o gigante voraz criado por François Rabelais, ainda na Idade Média, estabelecendo o caos. 

Há outras causas afins como a vontade de vingança (que é também uma forma enviesada de justiça) e a necessidade de escolha de um bode expiatório. Mas, essas, também, não são excludentes da tentativa  de “justiça popular”.  E não há como não mencionar aqui, como em tantos outros problemas, a necessidade de letramento digital com o devido uso crítico da tecnologia, o que, sabemos, não ocorre. Mais uma vez o clichê da educação aparece como condição para o avanço nas relações sociais. 

Enfim, é lançada aqui uma ruminação com o intuito de tentar irradiar algo que vem se tornando cada vez mais perigoso em nossa sociedade com a esperança de amenizar esse espalhafato coletivo. Arrisco, então, dizer que é necessário lutar pela melhoria das instituições e não sua destruição definitiva com ações individuais impensadas que desafiam a já problemática democracia mas, ao mesmo tempo, tão necessária. 

Assim, já será um alívio se eu não sofrer um linchamento virtual mas apenas críticas construtivas após a leitura desse texto, acreditarei, assim,  ter havido um progresso real. 

De passagem: O Projeto de Lei 1873/23 inclui no Código Penal o cancelamento virtual e o linchamento virtual, que passam a ser punidos com pena de detenção e multa. O texto tramita na Câmara dos Deputados. Que a lei seja aprovada e CUMPRIDA. Mas isso é outra conversa…